quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Democracia é coisa de mulher

O Brasil terá candidatas a presidente com chances reais de vitória pela primeira vez em 2010. Independentemente do resultado, as eleições serão um avanço histórico
Cada degrau foi suado. Em 1932, elas conquistaram o direito de votar e se candidatar. No ano seguinte, foi eleita Carlota, a primeira deputada federal. Mais de 47 anos depois, em 1979, Eunice tomou posse como senadora na ditadura militar. No início da década de 80, Esther comandou o primeiro ministério, o da Educação. Em 1989, com a redemocratização, Maria se tornou a primeira candidata a presidente. Uma Roseana assumiu um governo de Estado em 1995, 14 anos atrás.
A difícil escalada das mulheres na política brasileira pode atingir o auge em novembro de 2010, quando será anunciado o próximo presidente da República vitorioso nas eleições. Nunca antes na história do país, as mulheres chegam com tanta força numa campanha como na próxima – e com o inventor dessa repetida frase nos últimos anos fora da corrida. “As mulheres chegam pela primeira vez para vencer. Teremos duas fortes candidatas entre os quatro principais”, afirma a cientista política Argelina Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).



Mesmo que o líder de todas as pesquisas eleitorais para presidente seja um homem - o governador de São Paulo, José Serra (PSDB) -, as mulheres terão papel fundamental nas eleições presidenciais.
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será impulsionada pela popularidade de seu padrinho, do governo que trabalhou por mais de sete anos e a imagem de boa gerente. A senadora Marina Silva (PV) tem um impressionante apoio internacional, o discurso do momento e uma vida de luta semelhante a do próprio Lula.
Superação das mulheres
A história de superação das mulheres não é só na política e apenas no Brasil. O próprio dia internacional da mulher, em 8 de março, remete ao ano de 1857 em Nova York. Operárias de uma fábrica de tecido fizeram uma grande greve para reivindicar salários equiparados com os dos homens. As mulheres foram trancadas na fábrica e incendiadas. Mais de 130 tecelãs morreram. “Há um preconceito milenar contra as mulheres. Chegar em 2009 com duas candidaturas no Brasil será um avanço incrível”, afirma Marina. “É um momento de divisão de águas numa sociedade”, disse Dilma a um amigo recentemente.
Rivais na campanha, Dilma e Marina vão enfrentar um difícil dado estatístico nas eleições. Os números não são favoráveis às mulheres. Apesar de ser a maioria do eleitorado, com 51,5%, o número de mulheres eleitas é ínfimo. Nas eleições de 2006, apenas três governadoras foram eleitas, uma representatividade de apenas 11% no país. Outras 45 deputadas federais se elegeram, apenas 8,9% dos congressistas na Câmara dos Deputados. “Mesmo que seja assim, não voto em qualquer mulher só por votar”, diz Heloisa Helena, candidata a presidente em 2006 que teve 6,5 milhões de votos.
A proporção é um pouco maior no Senado. Foram eleitas, ainda na última eleição, quatro senadoras que se juntaram a outras seis já com mandato. As dez parlamentares representam 12,3% do Senado. Nas eleições municipais, mulheres alcançam representatividades parecidas. Em 2008, foram eleitas 505 prefeitas, 9% do total.


Mulheres lá fora
O Brasil não é o único país a ter baixa representação política das mulheres. Números semelhantes são encontrados em países europeus ou nos Estados Unidos. Só na Escandinávia e nos países pobres da África há uma participação política mais equilibrada. E no continente africano por razões dramáticas: as guerras étnicas que vitimaram mais os homens. “Precisamos de ações afirmativas para aumentar a nossa participação e um esforço para cumprir as leis que não são cumpridas no Brasil”, afirma Patrícia Rangel, do Centro Feminino de Estudos e Assessoria, ONG não governamental que faz lobby feminista no Congresso Nacional.
A lei 9504 de 1997, que estabelece normas para a eleição, determina o numero mínimo de 30% de candidatos por sexo. Na última eleição, apenas 11% dos candidatos a prefeito eram mulheres e 21% eram candidatas a vereadoras. “É a primeira vez que, no Brasil, temos candidatas mulheres à presidente com potencial de elegibilidade. É o momento oportuno para discutirmos o déficit democrático causado pelo pouco número de mulheres na política. Não vejo nenhum partido ser punido por não cumprir o número mínimo de gênero de candidatos”, diz a cientista política Marlise Matos, da Universidade Federal de Minas Gerais, com extensa pesquisa sobre o tema.
Mulher no comando
Mas no Brasil as mulheres têm do que se orgulhar. Hoje elas têm uma escolaridade maior do que os homens e são maioria nas universidades. Falta muito a fazer. Em qualquer área. Nas diretorias das 500 maiores empresas brasileiras, segundo pesquisa do Instituto Ethos, só 13% são mulheres. O IBGE registra que elas ganham menos que eles e a distância está diminuindo muito lentamente.
Mesmo com todas as diferenças, com tudo que ainda falta caminhar, essa eleição será um marco. Tanto Dilma como Marina estão na política há longo tempo, como militantes pela democracia, como parte da administração pública. Não é porque elas são mulheres que merecem o voto. Na campanha, cada uma entregará o seu recado para convencer ou não o eleitor. Mas elas são um sinal de avanço das mulheres.
A última mulher que governou o Brasil foi a princesa Isabel. Assumiu como regente em viagens do Imperador num total somado de três anos. Isso foi no século XIX. Mesmo que um homem ganhe a eleição de 2010, um novo suado degrau terá sido escalado. As mulheres são um poder emergente no Brasil. O papel de coadjuvante ficou para trás.


(Matheus Leitão, iG Brasília)

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